20.12.10

A Boite dos mortos-vivos - crítica da crítica da crítica...

O que André Lemos aponta em seu livro ("Cultura Digital.br") é que hoje o "expectador' foi superado.
Quando antes se estava acostumado a receber informações e ter a opção de eventualmente criticá-las, atualmente é possível divulgar as informações a seu modo, através de qualquer tecnologia digital e criar seu próprio público.

Portanto, a crítica não é mais uma resposta a uma informação ostensivamente apresentada na grande mídia.
É muito fácil filmar com um celular qualquer coisa ruim que esteja acontecendo, ou fazer um discurso, ou uma música, e publicá-los. Eventualmente algumas pessoas acessarão e pode ser até que venha a ser um dos "vídeos
mais assistidos do ano" no Youtube. Em outras palavras, a informação praticamente deixou de ter barreiras.

O que incomoda um bocado é que quanto mais fácil a informação se prolifera, menos valor ela tem.

Deve ter havido uma época em que criticar não se limitava apenas a criticar, mas se desenvolvia na práxis. Quando a grande mídia reinava, a crítica já havia perdido muito de sua substância. Bastava ser contra alguma informação e compartilhar esta opinião com alguns conhecidos e era suficiente para sublimar a indignação. Raramente se sente a necessidade de levantar da cadeira e agir de fato contra aquilo que se é contra. Este quadro já era suficientemente triste.

Agora, a crítica deixou de ser uma resposta às informações vomitadas pela grande mídia na cara da grande maioria. Agora, a crítica, pode-se dizer, é uma pergunta. Para os mais adaptados às novas tecnologias, ao indignar-se, basta fazer um breve vídeo e colocá-lo no Youtube. Até nos vídeos mais famosos e bem produzidos, não se espera que o "espectador" saiba se perguntar, geralmente o narrador do documentário já faz uma pergunta do gênero: e então, o que VOCÊ vai fazer a respeito disso? É o belo fake-questionamento clichê da fake-utopia da fake-democracia...

A questão é que a indignação virou lugar comum e as críticas acabam por não passar de mais um tipo de entretenimento. Indigna-se enquanto a informação é recebida, e após alguns segundos segue-se com sua vida, independentemente do teor da tragédia que foi apresentada - que também saiba-se lá qual seu teor de verdade. As pessoas se acostumaram à crítica da mesma forma que se acostumaram a passar por um maltrapilho de 5 em 5 minutos à caminho de qualquer lugar e simplesmente seguir adiante. Ninguém tem "tempo" de se procupar com causas que não lhes afeta diretamente e a preocupação maior é não "perder tempo" com coisas que podem atrasar o antiquíssimo fetiche da "independência" financeira, que geralmente (nos casos bem sucedidos) se alcança mais lá pra perto do final da vida, quando já não importa tanto.

A sociedade é complexa e difícil demais. Somos todos espermatozóides lutando vorazmente para alvançar o óvulo numa persistência quase vã. E é como disse Bertrand Russel, se demora tanto pra conseguir o que se deseja, que quando os sonhos estão em nossas mãos, já estamos velhos demais para desfrutar dele, tal é a complexidade das coisas desse mundo.

Chega a ser quase belo imaginar a humanidade como um todo, como o moleiro estudado por Ginzburg, que via a terra como um grande queijo podre, e os homens: os vermes. Todavia, vermes não se atacam... Chega a ser quase sublime que à distância o mundo pareça um só e que a certa altura os humanos pareçam formigas trabalhando em conjunto. Mas estão todos se degladiando civilizadamente no afã do desejo de uma paz platônica. Acontece que no caminho é fácil contentar-se com o entretenimento nos intervalos da luta e acabar mediocremente esquecendo o que poderia ser chamado de inteligência.

A compaixão tornou-se apenas a sublimação da culpa do não-agir. Basta dizer que se preocupa e o peso vai embora - e você vai embora junto deixando o objeto da fake-compaixão pra trás - porque quanto mais há tecnologia, mais ligeiro se torna o ser humano, mais leve, por estar mais vazio, depois de ter jorrado toda sua substância no logus do progresso.

A diferença da nossa realidade praquela da "Noite dos mortos-vivos", é que naquela os zumbis ainda sentem alguma fome de espírito. Na nossa "Boite", tem-se fome é de morte mesmo. Bebe-se para fugir de si mesmo dentro da Boite, e mija-se ali do lado de fora, bem onde vai dormir o maltrapilho.

2.12.10

Seria

sério e irônico
seria trágico,
não fosse cômico