17.3.13

Sonho de Papel


Era triste porque naquele planeta as peles eram lisas como a superfície de uma pedra de rio, com todo o lodo que a protege dos pés humanos. Então ninguém conseguia se abraçar. Qualquer pessoa escorregava entre os braços quando a tentavam apertar. Mas todo o resto, desde que fosse metal ou papel, os dedos seguravam facilmente, como um fecho de velcro. Neste planeta que não existia chegou o dono do sonho, numa tarde de domingo. Ninguém trabalhava. A população passou o domingo inteiro tentando se abraçar, caindo ao chão, esbaforida, para espanto do dono do sonho.
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Já a segunda-feira fora um dia memorável, porque o dono apareceu com uma roupa de papel. Em cima de um tablado, palestrou sobre sua invenção. Disse que como seus dedos só aderiam ao metal e ao papel, qualquer pessoa que a vestisse poderia ser facilmente abraçada por quem quer que fosse.
Gradativamente aglomerou-se uma multidão em frente ao tablado. A palestra foi um sucesso.
Como o tempo do sonho era curto, da segunda-feira deu-se um salto até a sexta-feira e uma nova invenção fora apresentada. Um cientista da região anunciava um tratamento rápido que transformava a pele lisa em pele de papel. Mais uma vez uma multidão se aglomerou, e o tratamento foi sucesso absoluto.

O dono do sonho acordou e, muito curioso para saber o resto do sonho, decidiu que voltaria a dormir de qualquer jeito. Ingeriu 77 gotas de clonazepan, e em poucos minutos caiu dormindo no assoalho...

Desta vez, todos eram de papel. Corriam uns na direção dos outros num instinto de abraçar incontrolável. Mas durante o abraço, emocionados, jorravam lágrimas de emoção. Poucos segundos depois, de papel, se desfaziam em suas próprias lágrimas. E assim sendo, a população diminuía vertiginosamente aos olhos do dono do sonho, até não restar ninguém além dele, que só observava o curioso fenômeno.

Em poucos minutos, naquele imenso planeta desconhecido, ele ficou completamente só...
... E nunca mais acordou.